SEIS PONTO CINCO
SEIS PONTO CINCO
Sessenta e cinco anos. Foram chegando devagar, como uma nuvem que se vê bem ao longe. Sabe-se que, quando chegar perto, vai acontecer algo, chuva, trovoadas, tempestade…
Assim foi. Os sessenta aconteceram da noite para o dia. Entrei na sexta década e assustei-me. Os amigos, já sexagenários me acolheram como se entrasse em uma seita. Confiei e instalei-me.
Hoje acordei com 65 anos completados. Mas já há tempos vinha observando a nuvem ao longe.
Experiências novas com meu corpo, algumas não muito boas, novas dores, câimbras, hipertensão… cansaço.
O caminho do envelhecer é estranho, é novo, ao mesmo tempo vemos todos os dias vários exemplares a nosso redor, um percurso previsível.
Secretamente, nutria um certo pensamento, mágico talvez, que comigo seria diferente. Cuido-me (agora até disso duvido), alimentação saudável, atividade física e mental… o que mais falta para ter uma velhice sem dor?
Aos 65, chego a crer que não é possível, que alimentei um sonho inatingível. Por outro lado, conforto-me com o que fui colhendo neste caminho. Observo o movimento das filhas, a crescente independência e autonomia das netas mostrando-me que envelheci.
Comemorei esses tão longos anos andando pela floresta. Observava as árvores, cascas grossas, revelando sua idade avançada. As rugas também aparecem nessas criaturas tão cheias de vida, uma vida secreta, que mal conhecemos.
Também tenho uma vida secreta. Dentro bem escondida está lá uma vida que se desenrola de dentro para fora, a que chora, que se emociona, que avança, a passos lentos, mas avança. Cada pensamento sobre o que é a vida, o que é a minha vida. Cada pedacinho desse mosaico de 65 grandes peças tem história, várias que o fizeram assim, desse formato, com essas cores.. com profundidade ou mais superfície.
Confesso que me emociono ao pensar na minha vida.. ai sou mesmo sensível ou emotiva demais, demais? Choro, choro com facilidade, basta pensar e lembrar.
Uma das perspectivas que me animava em continuar o caminho do envelhecer (podia não querer, mas quis) é a possibilidade de me tornar o que descobri que devia, ou podia ao longo do percurso.
No início a vida era inconsciente e rasa. Foi tornando-se profunda e intensa, cada experiência passou a ser motivo de estudo, observação. Cada relação, cada olhar, cada gesto. Tornei-me uma observadora do outro, em filigranas.. sua respiração, olhar, fala… movimento.. e me é prazeroso aprender com o outro a conhecer-me.
Celebrei com família, com a floresta e com amigos que recebi inesperadamente. E foi muito bom estarmos juntos.
Melhor assim, celebrar com quem está e quer estar, sem planos, sem previsões.. a experiência que acontecer, na hora.
Sempre quis ter tudo sob controle e hoje abandono essa vida de estreitos limites, de negação e ouso. Ouso ir à praia em vez de limpar a casa, ouso ficar o tempo que quiser, sem hora pra voltar. Ouso pedalar e para onde quero para sentir a relva sob meus pés.. pequenas ousadias, grandes conquistas para mim.
Ouso ir para Budapeste assistir a uma ópera com amigos.. porque não?
Viver a vida e ser feliz com o que ela nos oferece mesmo que seja um hérnia abdominal.
Oeiras
10 novembro 2024
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